"Canção sem valor", Gabriel von Max (c. 1900-1915)
Um bom tanto de textos exclusivamente sobre palavras
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Revista Amarello

Escrevi textos para três números da revista Amarello: 32, "Travessia"; 33, "Infância"; 34, "Terra".
Este é o começo do texto "Infância":
"Algumas palavras são propriedade da infância: paralelepípedo, inconstitucionalissimamente. Um montão, um tantão, maravilhoso!, e um milhão de milhares. Maravilhão.

A boa educação pertence à infância — andar com um livro em cima da cabeça e a postura ereta. Espichar- se. Os bons modos pertencem à infância — curvar-se diante do espelho e enrubescer. O sonho de um dia dar bom dia aos que passam… crianças são muito sérias; preocupam-se com as coisas. Gostam de Leonardo da Vinci e de Einstein; de palavras com mais de três sílabas (que podem significar qualquer coisa no mundo! Maravilhosas, maravilhosas); gostam de pensar que um dia vão ser gente. Mas mais do que eu e você."
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Seção "Léxico" para o Nexo Jornal

Entre 2017 e 2019, mantive uma seção semanal só sobre palavras no jornal Nexo; foram oitenta colunas como estas daqui:
Coragem —
“Coragem” vem do coração, “covardia" vem do rabo. É assim no latim. “Covarde" remonta a “cauda" ou “coda" (passando pelo francês antigo “couard”): o covarde é aquele que sai com o rabo entre as pernas.
Já o corajoso age (ou fala, ou pensa) de acordo com o coração, “cor” em latim. Em 1974, a empresa japonesa Sanrio criou uma personagem de uma gata que parece uma pessoa, mas que não tem boca. Explicaram que é porque “ela fala com o coração” – Hello Kitty, corajosa.
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Mulher —
Durante muito tempo se acreditou que o latim “mulier” vinha de “mollis”, o que faria das mulheres criaturas “macias”, “moles” e “molhadas”, praticamente “moluscos”. A falsa etimologia foi aceita por séculos: aparece, por exemplo, nas “Etimologias”, de Isidoro de Sevilha, do século 7, e numa peça de William Shakespeare, dez séculos depois.
[...]
É muito fácil fazer uma palavra virar do avesso: basta casá-la com um prefixo negativo e ela é obrigada a sair por aí com seu sentido ao contrário. Pegue “esperança” e junte com “des-”: “desesperança”. Ou faça o “responsável” ficar “irresponsável”, o “justo" virar “injusto”. Na maior parte dos casos, as palavras não têm como se defender.
Na maior parte dos casos — isto é, não em todos. Às vezes, pode-se tentar fazer isso com uma palavra, mas o que acontece é que ela vira outra coisa, escapa por um terceiro caminho. É o caso de “indiferente”. No sentido mais usual da palavra, dizer que alguém está “indiferente” numa dada situação não é dizer que ela está “o contrário de diferente”. Ela está, na verdade, o contrário de “apaixonada”, de “comovida”, “indignada”, e por aí vai. E, do outro lado, o contrário de “diferente” é simplesmente “igual” (mas “desigual”, por sua vez, também é outra coisa).
[...]
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